Candidatos com mais de 50 anos superam barreiras com determinação e força de vontade.
Eles entram na disputa pela vaga em igualdade de condições com os mais jovens.
Marta Cavallini Do G1, em São Paulo
Uma parcela significativa de candidatos a concursos descobriu que não há limite de idade para estudar e trabalhar. Muitos perderam espaço no mercado de trabalho por causa da idade, outros se aposentaram e não se contentaram em ficar parados, e alguns almejam uma aposentadoria que assegure um futuro melhor. Beneficiados pela forma tradicional como são feitos os concursos e também pelo fato de a idade ser um dos critérios de desempate na classificação, os candidatos com mais de 50 anos entram na disputa pela vaga em igualdade de condições com os mais jovens. E a maioria, por ter curso superior, é seletiva e presta concursos para o mesmo nível de escolaridade. Carlos Alberto De Lucca, coordenador geral do curso preparatório Siga Concursos, diz que a forma tradicional como o concurso é feito e aplicado pode favorecer os candidatos "veteranos", geralmente mais detalhistas que os mais jovens. Mas ele alerta: o excesso de detalhismo pode ser prejudicial. "Os candidatos devem ter uma visão geral de tudo. Não adianta querer se aprofundar muito nas disciplinas porque a prova é bastante diversificada e exige jogo de cintura. As pessoas têm que se sair bem de forma geral em todas as matérias, incluindo aquelas que nunca foram vistas antes". Para o coordenador, os candidatos acima dos 50 anos são mais dedicados que os mais jovens. "Com a desilusão na iniciativa privada, a carreira pública vira a melhor ou única opção para eles", explica. Alto índice de aprovação De acordo com Adelaide Matos, diretora pedagógica e administrativa do curso preparatório Central de Concursos, os alunos com idade acima de 50 anos são muito aplicados e têm metodologia própria de estudo. "Eles se propõem a estudar até passar. A garra é muito grande". Segundo ela, a maioria desses alunos tem nível superior e presta concurso para o mesmo nível de escolaridade. Para Adelaide, todos esses fatores ajudam os candidatos a terem um elevado índice de aprovação. "As questões exigem boa interpretação de texto, o que demanda um grande conhecimento, e esses candidatos, pela experiência de vida e por serem muito antenados em vários assuntos, acabam se saindo muito bem." Última chance "A gente fica motivado porque sabe que essa pode ser a nossa última chance", diz o administrador de empresas Hélio Tonini, de 51 anos. Ele começou a fazer o curso preparatório para concursos em julho, após ter saído de uma multinacional porque recusou uma proposta de voltar a um antigo departamento. E, como já havia prestado um concurso há cerca de cinco anos para fiscal do INSS e tinha se saído bem, se deu conta de que poderia estudar agora com muito mais tempo e dedicação. Ele diz que o entusiasmo é cada vez maior, apesar do desgaste e da tensão. Tonini vai prestar concurso para auditor da Receita Federal, cujo salário gira em torno de R$ 12 mil. Ele faz cursinho preparatório pela manhã e à tarde, sempre trancado no quarto, estuda diariamente entre quatro e cinco horas - com exceção do domingo, que tira para relaxar. Na sala de aula, Tonini tira todas as dúvidas com os professores, o que chega a incomodar os alunos mais jovens na sala de aula. "Sair com dúvida é o caminho mais curto para o insucesso". Para ele, "matéria dada é matéria estudada". O administrador considera um privilégio poder se dedicar aos estudos em tempo integral. "Sempre estudei até me achar o mais preparado possível". Para Tonini, a força de vontade é o que conta, não a idade. "É a motivação que rege o bom desempenho. Se não tiver gosto pela leitura, pode esquecer. Concurso é para quem gosta de estudar mesmo". O engenheiro eletrônico Paul Vidoris, de 57 anos, leva tão a sério a oportunidade de ser auditor da Receita Federal que, além de fazer cursinho preparatório pela manhã - das 8h às 11h -, estuda diariamente oito horas - só pára para o almoço e jantar. "Sou privilegiado. Posso me dedicar aos estudos em período integral". Ele trabalhou até fevereiro em uma empresa de telecomunicaçõ es, quando foi chamado para participar do programa de desligamento incentivado. No dia seguinte à demissão, ele se aposentou. Assim que saiu da empresa, ele começou a fazer o curso. "A idéia de prestar concurso foi amadurecendo à medida que as dispensas foram se efetivando, levando em conta a idade, o salário e a proximidade da aposentadoria dos empregados." Ele afirma que não voltará mais para a iniciativa privada e decidiu prestar concurso por causa de dois fatores: quer continuar tendo uma atividade pois não consegue ficar parado e por causa da estabilidade e da renda que o cargo público proporciona. Vidoris diz que tem estudado muito mais do que quando estava na faculdade. Ele se prepara fazendo anotações nos próprios livros e apostilas. "Primeiro eu leio as matérias de forma geral, rapidamente, e depois eu retomo para assimilar os pontos mais importantes de cada disciplina". Ele diz detestar estudar no computador. "Essa história de que o computador substitui o livro é balela", diz. Para Paul, a melhor forma de estudar é fazendo exercícios. Enquanto não sai o concurso da Receita Federal, Paul presta outros exames para treinar - já fez concurso para a Câmara dos Deputados e para Câmara Municipal de São Paulo, e vai prestar o do banco Nossa Caixa. E avisa: se passar em algum que valha a pena, volta a trabalhar, mas sem se esquecer do sonho de se tornar auditor fiscal.